Antigamente, há uns 15 anos, viajávamos de camionete pelo Brasil, visitando os parentes ou apenas a passeio mesmo. Tal veículo, obviamente, comportava apenas três passageiros. Contudo, graças ao “jeitinho brasileiro” e o poder organizacional (ou seria entulhamental?) de minha mãe, herança de Seu Berlin, colocávamos uma capota de fibra na camionete, estendíamos um colchão na caçamba em meio às bagagens, e partíamos. Vez ou outra a polícia nos parava, mas os policiais se corrompiam por uma merreca. Nada mais que uma cervejinha ou um cafezinho.
Numa dessas partimos de Jataí a Dourados para visitar alguns parentes. Além de meus pais, estavam eu, Negão e minhas primas, Pizza e Lyli, com 2 e 4 anos respectivamente, na época.
Tudo tranqüilo na ida. Viajem um pouco cansativa dada a distância aliada ao calor insuportável.
Na volta, optamos por sair bem cedo para aproveitar melhor o clima ameno e a preguiça dos policiais, que iniciavam seu turno por volta das 10 horas da madrugada.
Eu e negão iríamos revezar na viagem; iniciaria ele na carroceria e eu na cabine e, no meio do caminho, eu passaria para carroceria e ele ocuparia meu lugar na cabine. As meninas, na qualidade de crianças menores de 5 anos, não tinham qualquer direito, devendo realizar todo o trajeto na caçamba.
Convém salientar que, de vez em sempre, a fumaça do escapamento da camionete entrava por algumas frestas na caçamba, o que, para quem não era acostumado, provocava náuseas e/ou dores de cabeça. Nada tão fedorento quanto os salgadinhos Zambinos ou Cheetos, que costumávamos levar nessas viagens.
Pois bem, partimos de Dourados por volta das 6 da matina. Seguimos cerca de uma hora de viajem. Mas, segundo relatou Negão, Lyli suportou pouco o sacolejo da viajem e o cheiro do escapamento. Corroborando a genética que lhe conferiu nosso tio Batuta, o café da manhã retornou de forma súbita, e covardemente atingiu o rosto da Pizza sem que a coitadinha pudesse se esquivar. Ela, com apenas dois anos, pensou no pior: “Meu ‘olo’!!! Ahhhhh!!!!” O leite com pão mal digerido junto com os sucos gástricos, irritaram os olhos da pobrezinha. Era o caos. Uma garota passando mal, outra pensando que estava cega, cheiro de vômito e de escapamento.
Quando resolvi dar uma olhada no desempenho do Negão como babá vi que a mão dele estava quase destruída de tanto bater no vidro da capota. Entre o vidro da cabine e o da capota existia um espaço de cerca de 10 cm, o que nos impedia de ouvir o desespero do Negão.
Finalmente paramos em um posto para tentar limpar um pouco da bagunça. O tempo que pretendíamos economizar foi todo reinvestido no asseio parcial da caçamba. Lyli ainda não queria muito assunto, e na hora achamos melhor que ela realmente ficasse de boca fechada. Pizza deu sua versão para história de forma bastante sutil: “A Lyli me domitô!!!”. Ela ainda expressava muito bem o português, Mas o aroma não deixava dúvidas.
Para nossa sorte, hoje em dia não é mais possível esse tipo de viagem em carroceria de camionete. A polícia vem tentando ser mais rígida, porém, não menos corrupta. Existem outras estórias da camionete que deixo para outra oportunidade.