Thursday, April 24, 2008

A (R)evolução do petisco

Seguindo o formato descritivo introduzido por nosso editor-reporter-nec-plus-ultra Sancho, aqui também me valerei da técnica literária da descrição em primeira pessoa. Como se o narrado houvesse ocorrido com o narrador.

Um conhecido próximo havia se casado recentemente e por razões que geralmente transcendem a esfera cognitiva ele e sua recém esposa haviam, à época, fixado residência numa cidade interiorana à qual volto periodicamente.

Fui amigo do casal desde sempre. Quando do noivado, por exemplo, rendi uma carta amigável ao noivo congratulando a boa nova. O fato é que, na primeira ocasião após o enlace em que me encontrava na tal cidade fui fazer uma visita de cortesia que nem de perto me era desagradável.
Fui recepcionado alegremente, primeiro pela gata de estimação do casal (que aliás estava no cio, logo, expecionalmente libidinosa) e então pelo casal. A conversa desenvolveu-se de modo agradável Variando, invariavelmente, sobre os últimos ocorridos, alguma notícia de destaque, a vida alheia, enfim sobre temas gerais e comuns.

A cerveja veio antes da conversa e, como ocorre frequentemente em tais encontros, era ingerida às vesperas da sede. Sentia-me perfeitamente a vontade, o que significava, traduzindo para termos mais diretos, que não dava indícios de ir embora tão cedo. Assim, conformados com tal fato o casal amigável, após algo combinado entreolhos, se resolve pela elaboração de um tira-gosto. Tudo muito bem.

Veio o petisco. O adiantado da hora e da cerveja parecia iludir-me quanto à cor do amendoin. Verde. Mas de um verde sui generis, para ser polido. A culinária chinesa é sábia: se não há bom aspesto na cor, nada espere do sabor. Dito e feito. Infelizmente não havia por perto nenhum vaso suportando uma planta ornamental. Pensei em ir ao banheiro e me desfazer da iguaria, mas não, seria óbvio demais. Decidi partir para o embate, e num ímpeto repentino, repleto de coragem e de cerveja degluti o petisco.

Bola pra frente. Se por um lado o amendoim era tenebroso, por outro o salaminho era infalível. Não havia como ser ruim. Tentando expulsar o gosto esquivo da boca avancei no salame cortando-o com minha peculiar canhestresa. Ao tentar tirar outra lasca, fui impedido impetuosamente e de faca em riste, um dos anfitriões gentilmente declarou: "olhe aqui filho, você praticamente aleijou o salame. Daqui pra frente eu corto o petisco, ouviu bem?!!"

Eu havia ouvido bem. E como não poderia deixar de ser, a partir dali tentei uma retirada estratégica. Entretanto, num jogo muito bem ordenado de rechaço e brandura, o casal veio com os habituais "é cedo", "vamos tomar outra", etc. Eu, por minha vez, rendo-me facilmente. Toda hora é hora. Aceitei a oferta (nitidamente apenas parte do protocolo) do casal. Foram, ambos, para a cozinha para a preparação de mais petiscos e para pegar a "saideira".

Da sala pude distinguir, entre um e outro ronronar desolado da gata profana, um murmurinho abafado dizendo: "o que você tinha que oferecer, agora deu no que deu" e "pega aquela que eu acabei de por". Minha impressão não me era muito favorável. Na chegada dos novos petiscos porém, tal impressão desvaneceu: queijo temperado segundo os mais altos padrões da culinária mineira, salame defumado, daqueles que só se encontra em ranchos coloniais, presunto selecionado em cubos e molho acridoce levemente picante permeado de mostarda e mel. Tudo de primeira.

Quando me dava mais do que por satisfeito, percebi a estratégia do casal amigo. Já que eu não ia embora nem mesmo com o tira-gosto ruim, o jeito era mudar o foco e melhorar o petisco, porém servir cerva rota, quente, e, gostaria eu de hesitar em afirmar, choca. A tática funcionou. Após algumas beliscadas a bico seco, inventei alguma desculpa qualquer para me retirar. Dessa vez, nada de protocolo, nada de novos convites e, como na história relatada abaixo por Sancho, nada de oferecer mais do bom petisco.

O pior cego é o que não quer ver. Apesar do ocorrido, dois dias depois lá estava eu de volta, foi só o tempo necessário para meu organismo terminar a auto-desintoxicação devido ao amendoim. Mas essa já é outra história. Deixada para posterior oportunidade.

Como dito, qualquer realidade com a semelhança é mera coincidência. Ou seria o contrário?

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Canha, apesar dos "deliciosos" aperitivos, eu "acho" que voçê está andando com gente que te "adora" muito.....

4/29/2008 9:54 AM  
Anonymous Anonymous said...

Puxa vida, essa história não vai morrer nunca heim.......afffffffff, já nos redimimos totalmente!

5/12/2008 7:29 AM  
Anonymous Anonymous said...

Ana, nem vale a pena perder tempo se importanto com as opiniões desse carinha mala...quando uma pessoinha nasce chata, morre chata não tem jeito de tentar melhorar a criatura!
Ele gosta de ficar relembrando a situação só para ganhar sempre o melhor na sua casa! É tática!

5/12/2008 4:56 PM  

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