Monday, October 29, 2007

Éter na magia

Sim, realmente o título é um trocadilho com aquela, tenho certeza que péssima, novela da globo. E se justifica. Semana passada realizamos um congresso aqui. Procuramos abranger várias áreas diferentes da física teórica, promover debates, trocar informações, enfim, fazer algo o mais proveitoso possível. Creio termos logrado êxito.

Ao fim do congresso, como cerimônia de encerramento, chamamos os meninos da FEBEM para realizarem um número musical. Aparte do sem número de piadas imbecis, preconceituosas e de mau gosto que ouvi durante os meses anteriores de preparativos e de todo encargo burocrático que tivemos que transpor para que os meninos fossem liberados de suas unidades, a apresentação foi fenomenal. Vários instrumentos de percussão, permeados por bons e precisos acordes do violão e do cavaco, somados a uma escolha de muito bom gosto do repertório, fizeram com que a fria comunidade dos físicos presentes soltasse o humano que têm, creio, dentro de si. Alguns caíram no samba, outros empunharam um violão e se arriscaram na música. Outros ainda, mais tímidos, limitaram-se a um bater de palmas durante um ou outro ponto de entusiasmo e geralmente num contra-tempo que nem mesmo o Hermeto Pascoal encontraria uma maneira de harmonizar com o ritmo da música. Mas todos, sem exceção, ovacionaram os músicos e pediram, de modo efusivo, o famoso “bis”.

Além disso, os meninos também fizeram os blocos de anotação do congresso; com material reciclável e capa de filtro de café usado que conferia, além de um toque estético refinado, um aroma dos mais agradáveis. Foi muito interessante ter presenciado a apresentação. Por um lado, a composição orquestral daqueles instrumentos a serviço do samba antigo muito me lembrou as rodas arquitetadas pelo seu Berlim, o que obviamente me comoveu. Mas a inclusão da molecada naquele meio também foi comovente. O triste é saber que fatos assim são efêmeros e raros. A regra é não existir espaço pra essa molecada. Espaço de qualquer tipo. Lazer, cultural, trabalho, nada. E não me canso de repetir: essa segregação social é, sem sombra de dúvida, um dos maiores desperdícios de talento que podíamos “arquitetar”. Fora o inegável jeito musical, tem moleque que desenha inimaginavelmente bem. Outros mal sabem falar, mas compõem letras de RAP que são de uma profundidade inquestionável. Ainda outros, destacam-se em rapidez e agudeza de raciocínio. E por ai vai.

Mas o mais difícil é conseguir um meio pra molecada desenvolver seu talento inato. Quase ninguém abre espaço. É ex-detento, marginal, moleque estranho, nem pensar em dar espaço. Desse modo resta a rua. O traficantezinho que dá éter de graça pro moleque que ta lá de bobeira. Com éter na cabeça, nem conversar dá certo e aquela magia anterior vai ralo abaixo. O que sobra é éter na magia. E qualquer coisa eterna fica só na novela mesmo.

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