Friday, September 12, 2008

Não é fácil

O Azul, um amigo meu, é corintiano. Como o próprio apelido delata, ele é negão. Certa vez ele chagara de viagem vestindo a camisa do Corinthians e parou no metrô Trianon na Av. Paulista onde tinha uma festa não sei de que. De lá até nossa casa eram umas três quadras. E nas três quadras ele tomou três “gerais”. Na última, segundo ele, ele mesmo corrigiu a posição do meganha que em dado momento lhe de costas.

Tirei tanto sarro do Azul que entrei pelo cano. Dias atrás fui a um congresso na Itália. Tudo muito bom. Aterrissei em Milão. Que lindo. Que chique. Acontece que pra chegar lá a gente tem que passar dez horas na classe econômica. E eu, além disso, pego dois metrôs e um busão pra chegar ao aeroporto. Na classe econômica tudo é ótimo exceto o espaço, a comida e o atendimento. Quando o rango veio dessa vez a coisa foi feia. Tava apertado; os braços ficavam tão juntos ao corpo pra comer que confundi um cara de blusa verde do meu lado com o Horácio. Outro com uma arcada mais projetada parecia o Roy da família Dinossauro. Depois da refeição (um pão duro, uma salada rota com carne de frango, ou porco, sei lá) pedi um sucão pra ajudar a deglutir tudo. Depois de uns dez minutos sem nada do suco chamei a aeromoça e pedi de novo. Mais algum tempo depois pedi pra ela ver o que aconteceu com o suco (alta taxa de evaporação na aeronave pode ser indício de buraco no casco). Mais alguns minutos e veio ela: o senhor se lembra de ter me pedido algo? Desisti. Com a demora, a saliva que produzi ajudou os movimentos peristálticos.

Mas enfim cheguei à glamurosa cidade italiana. Depois de tudo, meus feromônios obviamente sobrepujavam meu perfume: sim, eu fedia. Os trajes em desalinho, o hálito tosco, cansado, louco pra dar uma barrigada e arrancar qualquer lembrança nutricional daquela comida terrível, a barba por fazer e os poucos fios que restam se comportando igual ao ataque da seleção: cada um pra um lado. Talvez por isso, talvez não, tenha eu chamado tanta atenção da guarda aduaneira. Fui parado, até aí tudo bem, apesar de ter sido o único. O pior aconteceu quando o interrogatório realmente começou, ou melhor nem começou. Bastou o guarda ver o símbolo da federação brasileira no passaporte pra coisa degringolar: a “geral” começou, e pra valer. Minha bagagem foi toda revirada, roupas, livros, papéis amassados com o movimento brusco, revista em todos os compartimentos, minha mochila foi tomada, meu computador aberto e perscrutado na procura de algo oco, a mala sacudida. E tudo isso enquanto cães farejadores faziam seu trabalho na bagagem revirada e em mim. Comecei a temer algum método investigativo mais invasivo, lavagem estomacal, toque retal, sei lá. Por sorte essa última vertente de escrutíneo não ocorreu. Nada encontrado, fui liberado.

Após sair dessa região, comecei a andar meio sem rumo, procurando alguma informação que me levasse até a estação de trem. A meio caminho entretanto, novo embate. Passaporte pedido e... tudo de novo. Desta vez sem cães. Minhas cuecas já eram do conhecimento até dos trabalhadores locais. E eu lá, lembrando do Azul e com cara de corintiano negão em dia de festa na paulista. Devo admitir, não é fácil.

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