Sunday, June 25, 2006

Uma manhã de renovação da fé

A história todo mundo sabe. Ainda assim é mister documentá-la.
Aconteceu que em uma corriqueira noite de verão em Itapoá, alguém teve a brilhante idéia de sair, dançar, beber um pouco, aproveitar a noite e mais um monte de coisas que sempre se pensa ao sair mas nunca se faz. Normalmente o que acontece é sair, mover os pés de acordo com alguém que pareça saber o que está fazendo, beber muito (ou tudo) e, com sorte, achar o caminho de volta. Pois assim foi. Tal noite foi permeada de fatos dignos de serem documentados, os quais eu não citarei pelo fato de não lembrar quase nada. A mistura foi perfeitamente explosiva: calor, cerveja, Maresia, quinze anos e um monte de primos que não valem a água da louça. Mas o problema foi o outro dia.
Por volta das oito da manhã o vô entra no quarto e diz sutilmente: “Levanta seu bode, vai cuidar do ultraleve do XOTKCZ!”. Deus meu, naquela hora meu cérebro demorou 15 segundos pra fazer uma imagem mental de um ultraleve. Quando o vô perguntou se precisava de mais alguém, apontei rapidamente pro Sancho. Já que eu estava ferrado, alguém tinha que ir junto. Tivemos direito a café da manhã. Direito aliás não usufruído, pois só de passar perto de algum derivado de leite meu fígado enrugava.
É indescritível a sensação que se apoderou da minha caixa craniana naquela manhã, mas eu me sentia com um pé na cova e o outro num skate. Pensei em muita coisa enquanto tentava falar novamente como um ser humano. Tentei inventar alguma desculpa, mas qualquer coisa que eu falasse naquele estado seria facilmente contornado pela tática militar e teimosia proposital do vô.
O Sancho e mim quase não falávamos (nem tinha como!), mas antes de chegar na areia lembro de ter imaginado, com satisfação, uma queda homérica do Santos Dummont em 1906 com o 14-BIS em Paris. Chegamos na areia e aqui há um detalhe importante. A mulher do referido XOTKCZ disse que não era necessário nos levarem de carro, pois o bendito ultraleve estava “pertinho”. Não sei qual o conceito de distância aquela mulher tem na cabeça, mas aposto que de acordo com ela poderíamos ir do Paraná ao Acre “num pulo”.
Mas enfim, chegamos na areia e a praia estava deserta. Forçando bem a visão avistamos um ponto amarelo beirando o horizonte. Imaginei que a tal mulher utilizava o megaparsec ao invés do metro como unidade de distância. A sede era absurda. O sol era tão forte que o pouco de água que tínhamos no corpo se esvaiu em suor... mais ou menos duas gotas. Pensamos em dar um mergulho, mas andar em linha reta já era suficientemente difícil. Não há metáfora capaz de elucidar o gosto na minha boca enquanto meu estômago parecia digerir um tijolo, só que sem o tijolo.
Entre uma alucinação e outra, fomos nos aproximando do ponto amarelo que se nos revelou ser um belíssimo... guarda-sol. O ultraleve estava ainda mais longe. Era o inferno, pior que o inferno! O Sancho balbuciou algo como “humanamente impossível” ou “pertinho uma ova” ou “Corinthians campeão”, sei lá. Uma dessas coisas que ele fala quando seu cérebro está imerso em álcool. E assim indo chegamos ao ultraleve.
Após uma olhada minuciosa de sete segundos no equipamento, fomos dormir aproveitando a sombra da asa da aeronave. Permitam-me uma breve digressão no decurso dessa singular história: qual o sentido de se cuidar de um ultraleve em uma praia deserta? Roubo?! Seguramente não. Nunca na história da humanidade um maldito ultraleve foi roubado. Precaução contra curiosos?! Nesse caso éramos as pessoas erradas. Primeiramente porquê fomos dormir e depois, naquele estado quem quisesse poderia mexer em tudo, contanto deixasse a sombra da asa intacta.
O fato é que a sombra nunca fica como deveria e até o movimento orbital da Terra atrapalhou nossa recuperação. Assim, alguns minutos após ter cerrado os olhos, o sol tocou minha face (poeticamente) e fritou minha cara (realmente). Era o fim. Ressaca, sol, calor, sede, fome crescente e uma dor de cabeça tão grande que a cada dois minutos eu passava a mão em volta do crânio procurando a bigorna que o comprimia. Foi ai, então, que o Sancho, num surto suspeitável de benevolência, revelou-se disposto a fazer todo o trajeto novamente em busca de mantimentos. E eu, mais uma vez corroborando a hereditariedade lusitana, acreditei. O resultado: o Sancho sucumbiu e foi dormir. Apareceu quatro horas depois com o vô, o tal XOTKCZ, a madame distância, nenhum mantimento e uma cara mais lavada do mundo.
A decolagem também é digna de nota. Havia umas três pessoas a uns cem metros e o vô ordenou que o Sancho fosse lá e organizasse uma barreira de contenção. Eu imagino a cara do Sancho quando o ultraleve decolou em cinco metros! Quase como um helicóptero.
Na volta, como na ida, silêncio. Mas a expectativa da proximidade da cama me animava. Muitas coisas ainda aconteceram nesse dia fatídico. Coisas estas que eu vou deixar para uma próxima oportunidade. Apenas para dar um tom de desfecho informo que até hoje quando avisto um ultraleve, seja em terra ou no ar sinto sucessivos calafrios e um instinto primevo faz com que eu corra até uma farmácia e compre uma caixa de Epocler. De abacaxi, se possível.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

xasdcsdfsdf

6/26/2006 2:19 PM  

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